CATEGORIA: Compliance

Programas de integridade na nova lei de licitações

A nova lei de licitações passou a exigir nas contratações públicas a implantação de programas de integridade. Nest post, você vai conhecer em quais situações há essa obrigatoriedade, as principais vantagens em se ter programas de integridade e como implementá-los dentro da sua empresa.

Sócio-Fundador
26 jun | Leitura: 13 min

O que são programas de integridade

Segundo o Decreto n. 8.420/2015, programas de integridade nada mais são do que um conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes, com objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira.

Em outras palavras, para a Administração Pública em geral, um programa de integridade representa a implementação de uma série de medidas e controles, visando a prevenção, detecção e resposta a desvios, malfeitos e situações indesejáveis de não-conformidade pela organização.

Nesse sentido, a Controladoria-Geral da União entende que o programa de integridade é um “programa de compliance específico para prevenção, detecção e remediação dos atos lesivos previstos na lei 12.846/2013, que tem como foco, além da ocorrência de suborno, também fraudes nos processos de licitações e execução de contratos com o setor público”.

Programas de integridade em licitações públicas estaduais e municipais

A exigência de implementação de programas de integridade em licitações públicas estaduais e municipais já é uma realidade no Brasil. A nova lei de licitações, portanto, apenas incorporou o conteúdo dessas legislações, fazendo com que a regra passasse a valer, também, para contratações em âmbito federal.

Atualmente, há inúmeras leis estaduais e municipais que tratam do tema.

A título exemplificativo, podemos mencionar a Lei n. 7.753/2017, que dispõe sobre a instituição de programas de integridade nas empresas que contratarem com a administração pública do estado do Rio de Janeiro, a Lei n. 6.112/2018, que trata sobre a   obrigatoriedade da implantação de programas de integridade nas empresas que contratarem com a Administração Pública do Distrito Federal, a Lei n. 8.866/2021, que dispõe sobre a obrigatoriedade de instituição de programas de integridade nas empresas que contratem com a Administração Pública do Estado de Sergipe e a Lei n. 6.050/2018, que dispõe sobre a obrigatoriedade da implantação de programas de integridade (compliance) nas empresas que contratarem com a administração pública do município de Vila Velha.

De um modo em geral, a diferença entre as legislações se dá, basicamente, em relação ao valor a partir do qual se é exigida a implantação de programas de integridade, podendo variar, por exemplo, de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), como no município de Vila Velha a R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais), como ocorre no Distrito Federal.

Cabe destacar, também, que a exigência de adoção de programas de integridade não é condição para participação nas licitações públicas, mas, sim, para celebração de contrato, consórcio, convênio, concessão ou parceria público-privado.

Programas de integridade na nova lei de licitações

A nova lei de licitações dispôs sobre os programas de integridade em pelo menos três oportunidades distintas.

A primeira dela diz respeito à obrigatoriedade de implementação de programas de integridade pelo licitante vencedor. Segundo o §4º do art. 25 da Lei n. 14.133/21:

Art. 25. O edital deverá conter o objeto da licitação e as regras relativas à convocação, ao julgamento, à habilitação, aos recursos e às penalidades da licitação, à fiscalização e à gestão do contrato, à entrega do objeto e às condições de pagamento (…) § 4º Nas contratações de obras, serviços e fornecimentos de grande vulto, o edital deverá prever a obrigatoriedade de implantação de programa de integridade pelo licitante vencedor, no prazo de 6 (seis) meses, contado da celebração do contrato, conforme regulamento que disporá sobre as medidas a serem adotadas, a forma de comprovação e as penalidades pelo seu descumprimento.

Dito de outro modo, a nova lei de licitações previu que nas contratações públicas de grande vulto, ou seja, aquelas cujo valor estimado supera R$ 200.000.000,00 (duzentos milhões de reais), segundo o inciso XXI, do art. 6º da Lei n. 14.133/21, o licitante vencedor deverá, obrigatoriamente, implementar um programa de integridade, no prazo de 6 (seis) meses, contado da celebração do contrato.

Assim, apenas nessa situação específica há a necessidade de a empresa adotar medidas e controles, visando a prevenção, detecção e resposta a desvios, malfeitos e situações indesejáveis de não-conformidade.

A questão, contudo, vai muito além dessa hipótese prevista pelo legislador. É que, de fato, a adoção de programas de integridade poderá ser o critério decisivo em caso de duas ou mais propostas, segundo o inciso V do art. 60 da nova lei de licitações:

Art. 60. Em caso de empate entre duas ou mais propostas, serão utilizados os seguintes critérios de desempate, nesta ordem: (…) V – desenvolvimento pelo licitante de programa de integridade, conforme orientações dos órgãos de controle.

Por sua vez, o inciso V do §1º do art. 156 da Lei n. 14.133/21 dispõe que na aplicação das sanções serão considerados a implantação ou o aperfeiçoamento de programa de integridade, conforme normas e orientações dos órgãos de controle.

Por fim, e não menos importante, a adoção de programas de integridade será considerada como uma das condições de reabilitação do licitante ou do contratado que apresentar declaração ou documentação falsa exigida para o certame, prestar declaração falsa durante a licitação ou a execução do contrato, ou, ainda, praticar ato lesivo previsto no art. 5º da Lei n. 12.846/2013.

Em síntese: a adoção de programas de integridade, além de ser (a) obrigatória em contratações públicas de grande vulto, será utilizada como (b) critério de desempate, (c) atenuante para a aplicação de eventual sanção e (d) condição de reabilitação do licitante ou do contratado.

Os 5 pilares dos Programas de Integridade

Segundo o ensaio “Programa de Integridade: diretrizes para empresas privadas” da CGU, os cinco pilares dos programas de integridade podem assim ser resumidos:

1º: Comprometimento e apoio da alta direção: O apoio da alta direção da empresa é condição indispensável e permanente para o fomento a uma cultura ética e de respeito às leis e para a aplicação efetiva do Programa de Integridade.

2º: Instância responsável pelo Programa de Integridade: Qualquer que seja a instância responsável, ela deve ser dotada de autonomia, independência, imparcialidade, recursos materiais, humanos e financeiros para o pleno funcionamento, com possibilidade de acesso direto, quando necessário, ao mais alto corpo decisório da empresa.

3º: Análise de perfil e riscos: A empresa deve conhecer seus processos e sua estrutura organizacional, identificar sua área de atuação e principais parceiros de negócio, seu nível de interação com o setor público – nacional ou estrangeiro – e consequentemente avaliar os riscos para o cometimento dos atos lesivos da Lei nº 12.846/2013.

4º: Estruturação das regras e instrumentos: Com base no conhecimento do perfil e riscos da empresa, deve-se elaborar ou atualizar o código de ética ou de conduta e as regras, políticas e procedimentos de prevenção de irregularidades; desenvolver mecanismos de detecção ou reportes de irregularidades (alertas ou red flags; canais de denúncia; mecanismos de proteção ao denunciante); definir medidas disciplinares para casos de violação e medidas de remediação. Para uma ampla e efetiva divulgação do Programa de Integridade, deve-se também elaborar plano de comunicação e treinamento com estratégias específicas para os diversos públicos da empresa.

5º: Estratégias de monitoramento contínuo: É necessário definir procedimentos de verificação da aplicabilidade do Programa de Integridade ao modo de operação da empresa e criar mecanismos para que as deficiências encontradas em qualquer área possam realimentar continuamente seu aperfeiçoamento e atualização. É preciso garantir também que o Programa de Integridade seja parte da rotina da empresa e que atue de maneira integrada com outras áreas correlacionadas, tais como recursos humanos, departamento jurídico, auditoria interna e departamento contábil-financeiro.

Como se vê, os cinco pilares acima ilustrados representam, na realidade, um resumo dos parâmetros estabelecidos pelo decreto que regulamentou a lei anticorrupção:

Art. 42. Para fins do disposto no § 4º do art. 5º, o programa de integridade será avaliado, quanto a sua existência e aplicação, de acordo com os seguintes parâmetros:

I – comprometimento da alta direção da pessoa jurídica, incluídos os conselhos, evidenciado pelo apoio visível e inequívoco ao programa;

II – padrões de conduta, código de ética, políticas e procedimentos de integridade, aplicáveis a todos os empregados e administradores, independentemente de cargo ou função exercidos;

III – padrões de conduta, código de ética e políticas de integridade estendidas, quando necessário, a terceiros, tais como, fornecedores, prestadores de serviço, agentes intermediários e associados;

IV – treinamentos periódicos sobre o programa de integridade;

V – análise periódica de riscos para realizar adaptações necessárias ao programa de integridade;

VI – registros contábeis que reflitam de forma completa e precisa as transações da pessoa jurídica;

VII – controles internos que assegurem a pronta elaboração e confiabilidade de relatórios e demonstrações financeiros da pessoa jurídica;

VIII – procedimentos específicos para prevenir fraudes e ilícitos no âmbito de processos licitatórios, na execução de contratos administrativos ou em qualquer interação com o setor público, ainda que intermediada por terceiros, tal como pagamento de tributos, sujeição a fiscalizações, ou obtenção de autorizações, licenças, permissões e certidões;

IX – independência, estrutura e autoridade da instância interna responsável pela aplicação do programa de integridade e fiscalização de seu cumprimento;

X – canais de denúncia de irregularidades, abertos e amplamente divulgados a funcionários e terceiros, e de mecanismos destinados à proteção de denunciantes de boa-fé;

XI – medidas disciplinares em caso de violação do programa de integridade;

XII – procedimentos que assegurem a pronta interrupção de irregularidades ou infrações detectadas e a tempestiva remediação dos danos gerados;

XIII – diligências apropriadas para contratação e, conforme o caso, supervisão, de terceiros, tais como, fornecedores, prestadores de serviço, agentes intermediários e associados;

XIV – verificação, durante os processos de fusões, aquisições e reestruturações societárias, do cometimento de irregularidades ou ilícitos ou da existência de vulnerabilidades nas pessoas jurídicas envolvidas;

XV – monitoramento contínuo do programa de integridade visando seu aperfeiçoamento na prevenção, detecção e combate à ocorrência dos atos lesivos previstos no art. 5º da Lei nº 12.846, de 2013 ; e

XVI – transparência da pessoa jurídica quanto a doações para candidatos e partidos políticos.

Conheça 3 passos para implementar programas de integridade

Como já tivemos a oportunidade de escrever (confira aqui), não há fórmula pronta, nem uma bala de prata para a implementação de programas de integridade.

Na realidade, é preciso seguir 3 passos básicos.

Primeiro Passo: entender o contexto da organização

Antes de mais nada, é preciso entender o contexto da organização, conhecer as principais partes interessadas, formar o time de integridade e sensibilizar os colaboradores.

É que sem engajar todos os envolvidos, o compliance empresarial torna-se apenas mais uma ferramenta burocrática dentro da organização. E lembre-se: não há um modelo único, por isso é necessário ter visão acerca das principais obrigações de compliance que a empresa, mandatoriamente ou voluntariamente, precisa cumprir.

Nessa fase, por exemplo, você pode definir quais serão as pessoas diretamente envolvidas com o projeto, levantar as principais preocupações da organização em relação ao tema e promover palestras de sensibilização na sua empresa.

Cabe destacar, ainda, que o Decreto n. 8.420/2015 entende que os programas de integridade deverão levar em consideração:

I – a quantidade de funcionários, empregados e colaboradores;

II – a complexidade da hierarquia interna e a quantidade de departamentos, diretorias ou setores;

III – a utilização de agentes intermediários como consultores ou representantes comerciais;

IV – o setor do mercado em que atua;

V – os países em que atua, direta ou indiretamente;

VI – o grau de interação com o setor público e a importância de autorizações, licenças e permissões governamentais em suas operações;

VII – a quantidade e a localização das pessoas jurídicas que integram o grupo econômico; e

VIII – o fato de ser qualificada como microempresa ou empresa de pequeno porte.

Segundo Passo: realizar a avaliação de riscos de compliance

Este passo vai exigir de você um pouco mais de tempo, esforço e conhecimento técnico, em razão da necessidade de se buscar as principais fontes de riscos de compliance dentro da sua empresa.

A avaliação de riscos de compliance envolve as etapas de identificação, análise, avaliação, tratamento e comunicação dos riscos, por meio da análise de documentos e realização de entrevistas pessoais com os pontos focais da organização.

O Decreto n. 8.420/2015, do mesmo modo, assinala que os programas de integridade devem ser estruturados, aplicados e atualizados de acordo com as características e riscos atuais das atividades de cada pessoa jurídica, a qual por sua vez deve garantir o constante aprimoramento e adaptação do referido programa, visando garantir sua efetividade.

Como se percebe, este é um passo fundamental para o sucesso do compliance dentro da sua empresa.

Terceiro Passo: implementação dos planos de ação

O terceiro passo corresponde à implementação dos planos de ação levantados na etapa anterior. É chegada a hora de “botar a mão na massa”, para dar início à elaboração do Código de Conduta e à adequação das políticas, processos e procedimentos de compliance dentro da organização.

Nesta etapa, você pode criar, também, Normas Internas para a definição de papeis e responsabilidades dos órgãos internos de compliance, tais como o Comitê de Ética e a própria função de compliance.

Por fim, e não menos importante, você deve realizar treinamentos e capacitações a todas as partes interessadas, com o objetivo de engajar cada vez mais as pessoas responsáveis pelo dia a dia da sua empresa.

Conclusão: implemente programas de integridade

Como se viu, a nova lei de licitações trouxe diversas situações em que a presença de programas de integridade será não apenas obrigatória, como, também, um critério essencial para desempate, atenuação de pena ou condição de reabilitação.

Por isso, caso sua empresa esteja pensando em participar de licitações públicas no âmbito municipal, estadual e, principalmente, federal, é bom ir se preparando, pois a implementação de programas de integridade não acontece da noite para o dia, exigindo uma verdadeira mudança de cultura organizacional.

Compartilhe
Bruno Basso
Bruno Basso É Sócio-Fundador da GEP Compliance e Procurador de carreira do Munícipio de Florianópolis. Possui especialidade em gestão de riscos e compliance, além de possuir certificações profissionais em Compliance Anticorrupção (CPC/A - LEC), Lead Implementer e Internal Auditor (ISO 37001, ISO 37301, ISO 27001, ISO 27701 – ABNT) e Information Privacy Professional (CIPP/E - IAPP).

Posts relacionados

mantenha-se atualizado

Como trabalhamos para que sua empresa se certifique: ISO 37301
CATEGORIA: Compliance

Como trabalhamos para que sua empresa se certifique: ISO 37301

Esteja em conformidade com a ISO 37301 e adote uma nova mentalidade corporativa para a sua empresa. Entenda todo o…

17 abr | 3 min
Certificação ISO 37301: saiba como obter
CATEGORIA: Compliance

Certificação ISO 37301: saiba como obter

A ISO 37301 é uma importante ferramenta para a implementação de um sistema de gestão de compliance efetivo. Quer saber…

Sócio-Fundador
20 fev | 7 min
Certificação ISO 37301 e ISO 37001: descubra como se preparar
CATEGORIA: Compliance

Certificação ISO 37301 e ISO 37001: descubra como se preparar

Para sua empresa obter as certificações ISO 37301 e ISO 37001 é preciso percorrer um longo caminho. Neste post vamos…

Sócio-Fundador
29 set | 13 min
ISO 37301: conheça mais sobre o sistema de gestão de compliance
CATEGORIA: Compliance

ISO 37301: conheça mais sobre o sistema de gestão de compliance

A norma ISO 37301 trouxe para as organizações uma grande novidade: o tão esperado sistema de gestão de compliance. Quer…

Sócio-Fundador
23 mar | 14 min

Deixe seu comentário

Atenção: Os comentários abaixo são de inteira responsabilidade de seus respectivos autores e não representam, necessariamente, a opinião da GEP

Inscreva-se em nossa newsletter

e receba conteúdos especiais da GEP


    Fale com um consultor